65 minutos 27/10/2012
Mauro Clark
Nesta última palestra vamos imaginar recebendo a visita de alguns ilustres personagens do AT, testemunhando um pouco do que estava no coração deles próprios sobre o céu, enquanto viviam aqui na terra.
Não será difícil perceber que eles tinham pensamentos tão presentes, tão influentes em suas atitudes a respeito do céu, que praticamente viveram divididos: pés na terra, mas o coração no céu.
JÓ
Jó 19
Encontramos Jó no fundo do poço, com grande sofrimento físico, abandono por todos e convicção de que o próprio Deus o perseguia e que rumava para a morte.
v.23-24: Parece que, de repente, Jó adquire a noção de que iria agora falar algo extremamente importante, muito mais do que as palavras desesperadas que estava dizendo. E gostaria que fossem impressas para sempre (e foram!).
v.25-27:
Mesmo no sofrimento atroz, aquele gigante espiritual consegue arrancar do fundo da alma um belíssimo brado de fé, mostrando total confiança de que veria pessoalmente a Deus após a morte e talvez se referiu à própria ressurreição do corpo (raro no AT).
E ele veria Deus não apenas como Criador de tudo, mas o Redentor pessoal dele.
Redentor: hebr. : ga’al: redimir, resgatar
... de saudade me desfalece o coração dentro de mim.
NVI: Como anseia no meu peito o coração!
A idéia é de que Jó se entusiasmou tanto com aquela afirmação, que seu coração se sentiu saudoso ou muito desejoso de Deus.
Em suma: num ponto extremamente miserável da vida, em que poucos seres humanos devem ter passado por sofrimento tão intenso e completo, Jó mantém o olhar no seu estado pós-morte, em que estaria pessoalmente com Deus.
- Ah, mas também, à beira da morte, é claro que Jó estaria “ligado” nisso.
Negativo! Ele NÃO adquiriu essa visão de Deus como seu Redentor e certeza da própria ressurreição apenas quando adoeceu.
Em plena riqueza, cheio de filhos e saúde, ele fazia sacrifícios e era fiel a Deus a ponto de Deus usá-lo como exemplo para o próprio Satanás!
Ou seja, mesmo no dia a dia de homem rico, com família grande e muitos negócios, ocupado com as coisas da terra, Jó estava com o coração no céu.
OS PATRIARCAS
Hb 11.13-16
No famoso capítulo dos heróis da fé, do v.8 ao 12 o autor mostra um tipo de atitude de vida dos patriarcas Abraão, Isaque e Jacó (e até de Sara), que deveria ser fortemente imitado pelos crentes.
Em resumo, os patriarcas:
* Morreram convictos de que não haviam recebido nesta vida o que Deus havia prometido
* Sabiam que essas promessas se referiam a tempos futuros, depois da morte deles
* Se sentiam estrangeiros e peregrinos: vivendo com outro povo
* Se eram estrangeiros, não estavam na pátria deles. E onde estava a pátria deles?
Na Caldeia, de onde vieram? Não, senão teriam voltado para lá.
* A pátria deles não estava na terra: eles queriam coisa melhor! Nada menos que morar no céu, onde estava Aquele que lhes dera as promessas.
* Saudavam as promessas futuras
saudar: grego ασπαζομαι aspazomai: aproximar-se; saudar; dar boas vindas
As promessas de Deus para o futuro eram tão reais, tão significativas para eles, que davam as boas vindas a elas, antes de chegarem, ainda em plena vida neste mundo!
Segredo dos patriarcas: ter em segunda categoria a pátria terrena e estar tão convencido que a pátria celestial é muito melhor, que deseja intensamente ir para lá.
DAVI:
Sl 11
Começa dizendo: v.1: No Senhor me refugio
O refúgio dele, portanto, não era um lugar físico, como o de um pássaro que se protege voando para o seu lugar elevado. (v.2)
Mas o Senhor, em quem se refugiava, esse sim, estava num determinado local: no céu, onde estava o Seu trono. (v.4a)
E mais: lá do alto, o Senhor estava de olho no que se passava entre os homens (v.4b) e atuava entre eles devidamente (v.5-6)
Podemos então perguntar ao nosso convidado:
Mas Davi, você está na terra e se refugia num Deus que está no céu. E depois, o que irá acontecer?
v.7: Ah, quando eu deixar esta terra vou ver a face dEle. Vou para o lugar onde Ele está.
Veja a naturalidade com que Davi faz uma conexão entre a terra e o céu.
Na terra, ele se refugia espiritualmente em Deus que está no seu trono. E tem certeza que lá do trono, Deus o protege na terra.
Mas esse refúgio espiritual, pela fé, por melhor que seja, não é o ideal.
Bom mesmo seria Davi poder sair correndo para o lado de Deus, como uma criança faz com seu pai.
Mas por enquanto isso não é possível, por causa do distanciamento “físico” entre Davi e Deus.
Só que esse distanciamento é apenas um detalhe, um mero “acidente de percurso”.
O que está bem na frente nas expectativas de Davi é dentro de pouco tempo estar pessoalmente contemplando a face do seu Refúgio, do seu Deus.
Sl 17
Até o v.8, Davi pede que Deus o sonde, atestando um procedimento correto diante de Deus.
Dos v.9-13 pede que Deus o proteja dos ímpios, que o perseguem e os descreve como perversos, opressores, insensíveis, de lábios insolentes.
No v.14 Davi cita mais uma característica desses ímpios: são totalmente agarrados a esta vida.
v. 15: Ao encerrar, Davi deixa claro que essa última característica deles é a diferença fundamental entre eles e o próprio Davi.
Enquanto eles se fixavam no mundo, Davi olhava para um alvo muito melhor: contemplar a próprio face de Deus!
Onde? Na tenda que mandara construir em Jerusalém para guardar a arca?
Não. Ninguém contemplava a face de Deus lá, nem o sumo-sacerdote quando entrava no Santos dos Santos uma vez por ano.
É implícito que iria contemplar a face de Deus no céu. E para deixar EXPLÍCITO, diz:
quando acordar, eu me satisfarei com a tua semelhança.
acordar: metafórico, significa ressuscitar.
satisfazer: hebr.: se sentir satisfeito, completo.
semelhança; hebr: imagem, forma.
Ou seja, em vez de se agarrar a este mundo, Davi está “de olho” é na fase depois da morte, quando ressuscitará e se sentirá então COMPLETO quando contemplar pessoalmente a face do próprio Deus.
Sl 103.15-22
Davi contrasta a fragilidade do homem com a existência eterna do Senhor.
E fala nos céus, no trono de Deus que lá fica, no reino muito acima do terreno, nos anjos, nos exércitos de Deus.
Mas o espetacular é que Davi não isola o homem frágil de um lado e, de outro, o Deus eterno Todo Poderoso e as maravilhas do Seu reino.
Embora não dizendo claramente que vai para o céu, ele conecta a si mesmo e os fieis, ao poder eterno de Deus com todas as maravilhas que o acompanham.
Em suma, Davi estava “ligado” nessa realidade eterna de Deus.
ASAFE (encarregado por Davi para chefiar o coro no templo; tocava címbalos)
Sl 73
Até o v.16, Asafe se encontra numa crise de ciúme dos infiéis, palavras duras contra, lamentos por ser fiel.
Do v.17 ao 22, muda de atitude, reconhece que estava embrutecido e fala do julgamento que Deus faria contra os ímpios.
v.23-26: Ao falar da maneira como Deus o tratava e como se relacionava com Deus, Asafe mistura realidades da terra com as do céu:
* Fala em ser recebido por Deus com glória (ou honra)
* Fala que tem Deus no céu (com a naturalidade com que você diria que tem uma Poupança na Caixa!
* Mas Deus também é o grande desejo dele na terra.
Tanto faz olhar para a terra ou para o céu, o desejo dele é o mesmo: Deus!
* Quando chegar a morte (desfaleça: hebr. cessar, terminar), Deus será a fortaleza e a herança dele para sempre.
SIMEÃO
Lc 2.25-30: agora podes despedir em paz o teu servo.
despedir: deixar ir, liberar, não deter por mais tempo.
A idéia é que Simeão não via a hora de ser liberado e ir para casa (o céu).
- Ah, mas Simeão já era velhinho, é claro que pensava na morte.
Mas quem disse que ele era velho? Sabemos apenas que era um homem piedoso. Podia ter 30 anos!
Fico pensando em que ponto da vida cada crente deveria se sentir pronto para dizer isso.
Minha opinião: todo dia!
Simeão tinha uma promessa clara de Deus quanto a um determinado evento na vida dele.
Foi só o evento se cumprir, ele não pensou duas vezes: “Pronto, Senhor, pode me levar!”
Como não temos promessas específicas de Deus para nossa vida em particular, esse “Pronto, Senhor” deve ser todo dia.
Acha muito, todo dia? Tudo bem, uma vez por semana!
Mas, irmão, não pensar nisso quase nunca!!!
PAULO
v. 2: gememos, aspirando por sermos revestidos da nossa habitação celestial
gememos: gr. στεναζω stenazo:suspirar, gemer(vem de στενος stenos:estreito, apertado)
aspirando: gr. επιποτεω epipotheo: almejar, ter saudades de, desejar ardentemente, cobiçar, abrigar desejos proibidos.
v. 4: gememos ANGUSTIADOS
Achando pouco ter dito apenas que gemia, Paulo agora qualifica o gemer:
angustiado: gr. βαρεω bareo: carregar, sobrecarregar, desencorajar, prostrar
v.8: ... preferindo deixar o corpo e habitar com o Senhor
Ilustração Tim de alguém esperando ansiosamente o ônibus para um encontro).
Pois parece que Paulo, ao esperar esse “ônibus”, estava mais que apenas “esperando ansiosamente”, mas gemendo, angustiado, enquanto não chegasse.
É difícil descrever com palavras mais vivas o tamanho desse desejo de ir para o céu.
Fp 1.19-26
Passagem clássica, tema de pregações. Sem aprofundar, apenas alguns pontos:
Paulo estava preso em Roma.
* O grande alvo de Paulo era engrandecer a Cristo, quer pela vida (se fosse libertado) ou pela morte (no caso de ser condenado à execução).
Quanto a esse aspecto, portanto, era totalmente indiferente o resultado do seu julgamento.
* É impressionante como conseguiu, numa frase curta (v.23), resumir toda a filosofia da sua própria existência: “Só tem sentido eu viver em função de Cristo - mesmo uma vida árdua, sofrida, angustiada, dolorosa. E quando Cristo der por encerrado a minha vida, entrarei no lucro, no agradável, na tão sonhada companhia dEle”.
* - Mas, em suma Paulo, o que você deseja mesmo? Seja claro!
- Tudo bem, serei claro: o que eu quero mesmo é ir para o lado de Cristo. Não tem comparação do quanto será melhor.
Mas as coisas não são simples assim. Tenho um trabalho a fazer aqui em benefício dos meus irmãos em Cristo. Sendo assim, é NECESSÁRIO que eu fique e sei que ficarei na
terra por mais um tempo.
Irmão, procure todo dia, quando acordar, alimentar o coração com o pensamento:
Só quero ficar aqui o necessário para servir a Cristo e ser benéfico às pessoas. Mas apenas como uma missão, pois o que eu desejo mesmo, o que eu sonho mesmo, é partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor!
OUTROS
Após falar do desejo de Apóstolo Paulo de ir para o céu Maurice Roberts (inglês, atualmente ministro da Igreja Livre da Escócia, conferencista, escritor, hoje com 74 anos), escreveu no seu livro A Felicidade do Céu (The Happiness of Heaven), de 2009:
“O que é verdade sobre Paulo, era verdade sobre líderes cristãos em cada era, como Agostinho (África, séc. IV e V), Lutero (Alemanha, séc. XV), Calvino (Suíça, séc. XV), John Knox (Escócia, séc. XV), Jonathan Edwards (Estados Unidos, séc XVIII), Charles Spurgeon (Inglaterra, séc XIX).
Todos esses homens eram profundamente convencidos da brevidade da vida na terra e da realidade do céu e do inferno. Isso é que os motivou a pregar a salvação a todas as pessoas que encontravam e a escrever volumes de trabalhos sobre a maneira correta de encarar as coisas deste mundo e do mundo por vir”.
Finalizo esta palestra e a própria 8CFC com dois comentários:
1) Não seria morbidez, pensar muito na morte?
Depende. Se pensar na morte como algo aterrador, um buraco negro, uma etapa da existência que pode ser terrível - então é claro que a própria idéia da morte é mórbida.
Mas se pensar na morte como temos mostrado que a Bíblia afirma para o salvo - uma continuidade natural da vida aqui, um estado muito melhor na companhia de Cristo - então não tem nada de morbidez, mas de um ocasião gostosa, festiva.
(Ilustração de Spurgeon dos dois barcos lado a lado, faltando apenas a prancha).
2) De propósito não dei ênfase ao v.16 de Hb 11, sobre os patriarcas.
O que aconteceu por terem agido daquela forma?
Agradaram em cheio a Deus, a ponto de Deus ter prazer em ser chamado o Deus deles.
E quem agrada a Deus recebe o que deseja!
Eles desejaram uma pátria celestial? Pois que assim fosse: Deus lhes preparou uma cidade no céu!
Deus se sente honrado com o crente que aspira a uma pátria celestial.
Não permita que o mundo lhe consuma mais do que deve e lhe faça se agarrar a ele.
Alguém disse: As pessoas sem Cristo tem o coração nas coisas do mundo; o crente deve ter os pés nas coisas do mundo e o coração no céu - exatamente o título desta última palestra: Pés na terra, coração no céu.
Que você, amigo sem Cristo, peça a Deus misericórdia para escapar de uma vida no inferno.
E nós, crentes em Cristo, nos sintamos todo dia, e alegremente, ÀS PORTAS DO CÉU.
Exatamente como falou o próprio Jesus:
Não obstante, alegrai-vos, não porque os espíritos se vos submetem, e sim porque o vosso nome está arrolado nos céus. Lc 10.20
Que Deus nos abençoe.
Amém