ARTIGO

O Verdadeiro Mendigo

Mauro Clark

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Entrou na loja com naturalidade, como se estivesse bem à vontade. Ele até que poderia estar, mas eu é que fiquei constrangido com a presença ali de pessoa tão dife­rente das demais. Afinal, estávamos numa das melhoras lojas de frutas e verduras da cidade. E definitivamente ali não era lugar para um esmoler vir perturbar os fregueses.

Os proprietários nem deviam permitir esse tipo de gente aqui dentro - pensei. E aguardei a mão estendida quando o velho aproximou-se de mim - chapéu de palha, calça suja e curta, chinelo velho. E como garantia suprema de que estava certa a minha avaliação, ele era corcunda, o que lhe obrigava a andar bastante curvado e amparado numa bengala. A imagem perfeita e acabada de um pobre miserável.

Mas o ancião passa por mim sem dirigir-me palavra - para decepção do meu ego orgulhoso, já preparado para lhe negar a imaginada ajuda. Não demorei a me recompor intima­mente, usando a desculpa de que "pelo menos ele foi pertur­bar outro". E esqueci.

Não se passam três minutos e lá o velho entra no­vamente no meu campo visual -  e nas minhas confabulações. Só que agora ele tinha nas mãos algo que não pesava nem duzen­tas gramas, mas que atingiu como uma pedra os meus pensamen­tos: um molho de coentro.

Percebi de imediato a brutalidade das minhas con­clusões. Ali estava um freguês como outro qualquer, aliás - por que não dizer? - como eu mesmo! E o homem encaminha-se para o caixa, entra na fila, tira do bolso umas poucas notas amassadas, paga a sua ínfima conta, recebe umas moedinhas de troco e vai embora - embora apenas da loja, pois ficou grudado como cola no meu pensamento.

A situação invertera: o velho saíra da loja com a dig­nidade de um senhor fazendo compras e me deixara tal qual um mendigo - pobre em nobreza, encurvado por uma consciência pesada como chumbo.

Por que essa mania mesquinha de julgar os outros pela aparência?

Mas eu tenho um consolo: não sou exceção. Pena que é um consolo típico dos vencidos - mas serve. O ser humano é um julgador inveterado. E diga-se, um péssimo julgador, pois está sempre errando. Até quando desprezaremos as experiên­cias que comprovam a altíssima probabilidade de avaliarmos errado?

Se ouvíssemos mais a advertência da Bíblia, "Não jul­gueis para que não sejais julgados", certamente teríamos muito menos do que nos arrepender.

Mas a fugaz passagem do velhinho me deixou com outra "batata quente" na cabeça: e se ele fosse mesmo um mendigo? Por que me sentir indignado com a sua inocente presença na mesma loja em que eu estava? E por que me vingar com um sêco Não quando ele me viesse pedir uma esmolinha? Dureza, muita dureza. E uma infinita distância dAquele que se compadecia das pessoas porque eram como ovelhas que não tinham pas­tor...

 

(Extraído do livro A Revolta das Canetas, Mauro Clark, Editora Mundo Cristão.)

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